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Ailton Krenak : um sujeito coletivo



Para escrever este texto, esbarrei com algumas barreiras. Esse tema, tão nebuloso para professores brancos, é, sem dúvida, emergencial. Meu primeiro contato com Ailton Krenak foi com o Discurso na Assembleia Constituinte em 1987, depois de fundar o Núcleo de Cultura Indígena. Eu o vi, em uma exposição no Museu de Arte do Rio, sobre democracia. Além disso, sua trajetória política passou pela participação na União dos Povos Indígenas. Hoje, é conhecido como líder indígena e ambientalista. Sua emblemática imagem pintando o rosto de preto, em 1987, jovem, com os olhos cheios d’água, discursando para brancos e, em sua maioria homens, em uma Casa que supostamente deveria ser do povo, produziu uma empatia que, em 20 anos de vida, nunca havia sentido. Algum tempo depois, em uma aula conjunta com outros estagiários que, como eu, produziram sua primeira aula sobre indígenas no século XIX, esbarrei com outra trava típica de gente branca: como vou falar sobre indígenas se eu não tenho nenhuma familiaridade com o assunto? É obvio que tremi todo o tempo, olhando para os rostos dos alunos que estranhavam o assunto tanto quanto eu. A produção de presença em sala de aula é um desafio. Ainda mais sobre um assunto do qual nos sentimos tão distantes. Acredito que esse seja o resultado da colonização do nosso imaginário. Historicamente, nós nos sentimos mais próximos dos invasores brancos do que dos povos originários. É por isso que a figura de Ailton Krenak é tão importante para nós, enquanto povo brasileiro. No meio da minha segunda aula, na segunda turma, enquanto eu tomava fôlego entre um colega e outro, uma aluna soltou uma reflexão que eu, com 16 anos, não teria capacidade. “Eu entendo, imagina se invadissem a minha casa, assim, do nada..." Ora, é exatamente isso. Os brancos invadiram as casas dos Krenak e de outros inúmeros povos guerreiros originários ao longo de centenas de anos. Por isso que Ailton, muito coerente, afirma que a guerra nunca acabou. Em um fragmento do documentário “Ailton Krenak : o sonho da pedra”, depois de duas décadas de luta política, num momento de inspiração espiritual, ele parece responder a essa minha aluna de forma muito simbólica, apesar de indireta, ao afirmar que: “A casa não é mais uma coisa construída fora, ela é descoberta no seu interior”. Os Krenak são originários do povo que os brancos chamavam e eu chamei, durante a minha aula, de Botocudos; pelos adereços que usavam nas bocas e orelhas. Puro racismo. Em uma de suas explanações, Ailton cita Darcy Ribeiro, um antropólogo brasileiro que ajudou muito na construção da identidade latino-americana, estudioso da questão indígena, falecido em 1997. Darcy dizia que a mediocridade da classe dominante, no Brasil, era um moinho de gastar gente, já que 12 milhões de africanos foram mortos após o sequestro e 6 milhões de índios na chamada Guerra Justa. O genocídio indígena, que já dura centenas de anos, começou com a escravidão, catequização, a proibição das línguas indígenas, que eram diversas, e, por fim, diante da resistência, o assassinato. É, sem dúvidas, uma história de horror infinita. O que se perpetua, desde a invasão dos portugueses às terras dos povos originários, é, inevitavelmente, a ideologia colonial genocida; que pessoas como Ailton Krenak tanto lutam contra. Durante a Ditadura Militar brasileira, uma história muito recente no nosso país, 6 mil índios foram assassinados. A demarcação de terras indígenas ainda está em disputa, os principais opositores têm um lugar na política oficial, muito bem colocado, a bancada ruralista principalmente. A afirmação de que os índios são os inimigos do desenvolvimento no Brasil é tão dura quanto covarde, mas ainda muito utilizada para tirar terras ou sufocar os índios em terras improdutivas. Por isso, muitas lideranças indígenas são assassinadas diariamente. Não convém, para o agronegócio, manter uma relação cordial com os índios. Assim como não convinha para os portugueses manter uma relação com os índigenas após a primeira aproximação, estupro, ecossídio e roubo; que geraram uma resistência. O genocídio sempre foi uma via de regra. Para Ailton Krenak, radicalizar-se em relação à “praga da ideologia colonial” não é entrar no paradigma do branco, o paradigma do erro. Ele não acredita, assim como inúmeras lideranças indígenas, que a violência é um meio viável. Mas acredita que, por meio de uma revolta social, as minorias podem conseguir mais representação política. É perceptível a mudança do conceito de "direitos humanos" quando líderes indígenas fizeram-se escutar em organizações mundias; pessoas como Alvaro Tucuna e os Jururã. O que falta é o olhar sensível para causas ambientalistas e humanitárias por parte dos políticos. Falta sim, representatividade. Mas não por falta de luta dos povos originários. Talvez, por falta da única língua que entendemos bem: dinheiro. E, mais ainda, por outra palavra que praticamos aos montes: racismo.


Fontes:

"Ideias para adiar o fim do mundo" ( Ailton Krenak - 2019)

" Ailton Krenak : o sonho da pedra" ( 2018)

Existência e Diferença: O Racismo Contra os Povos Indígenas ( Revista Direito e Praxis , 2019 ) Felipe Milanez, Lucia Sá, Ailton Krenak,Felipe Sotto Maior Cruz,Elisa Urbano Ramos, Genilson dos Santos de Jesus (Taquary Pataxó)


Autora : Nathália Carvalho




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